segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Voando no DC-3


Meu avô gostava muito de passear com a família nos finais de semana, religiosamente. Era muito raro não termos algum programa previamente agendado para os domingos. Num desses passeios dominicais fomos almoçar em um restaurante que havia no Campo de Marte, o que aliás fizemos mais de uma vez. O proprietário do restaurante era um conhecido do meu avô, então almoçar por lá servia a dois propósitos: ter para onde ir no domingo e rever um conhecido para colocar a conversa em dia.
Havia também, bem ao lado do restaurante e em frente à Avenida Olavo Fontoura, um avião (que julgo fosse um DC-3) em exposição estática, mas que também oferecia à garotada como atração adicional um passeio simulado. Funcionava assim: você comprava um bilhete que lhe dava direito a entrar na aeronave através de uma escada de alumínio, e no topo dela era recebido por uma aeromoça à entrada da porta; o interior da aeronave continha todas as poltronas e decorações de época. Próximo à cabine do piloto havia uma tela retrátil para projeção - fixada no teto ou sustentada por um tripé, não lembro ao certo - e umas fileiras mais atrás ficava posicionado no meio do único corredor um projetor de filmes em película.
Uma vez que todas as crianças se encontrassem sentadas nas poltronas, a projeção começava: o filme, sonorizado diga-se de passagem, continha a voz de alguém que se identificava como piloto que dava as boas-vindas aos passageiros e nos ciceroneava ao longo de toda a viagem. A película mostrava uma pista de aeroporto a partir de uma aeronave, que se posicionava para decolar; após a decolagem viam-se algumas cenas aéreas e coisas do tipo, para finalmente visualizar a pista de pouso, indicando que a viagem estava chegando ao fim, sempre com a voz do piloto-narrador ao fundo. Acho que a coisa toda durava uns 10 minutos, se tanto. Não sei se era imaginação minha, mas o velho DC-3 ficava com suas duas rodas frontais presas em algum tipo de macaco hidráulico que o fazia balançar ligeiramente, mais ou menos sincronizado com o filme que assistíamos, de modo que tínhamos a sensação de que ele estava em movimento. Com meus cinco anos de idade, poder experimentar a sensação de voar em uma máquina tão incrível quanto aquela era algo fascinante. Creio ter feito este "passeio aéreo" por duas vezes.
O Tempo, esse inexorável, decidiu enfim que era chegada a hora de levar embora os passeios dominicais, o restaurante e o DC-3, o pequeno notável. Não conseguiu, porém, tomar as minhas lembranças, nem a saudade que tinha do avião e do destino que lhe fora dado. Dias desses observei que o Catavento Cultural possui uma aeronave muito parecida com aquela em que fiz voar meus pequenos sonhos. Continua lá, em exposição estática, no imenso pátio do Palácio das Indústrias, mas não recebe mais em seu bojo as crianças, nem as faz voar nas asas de suas fantasias. Quem sabe decidam, algum dia, reviver essas viagens de brincadeira; com tanta tecnologia atualmente, é bem capaz de se conseguir um efeito muito mais "imersivo" que aquele que tínhamos há mais de 40 anos atrás.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Cine Chaparral


Rente à Marginal Tietê havia um cinema a céu aberto para automóveis chamado Chaparral. Sempre que voltava da visita que realizava com meus pais aos tios e primos que moravam no bairro da Penha, acabava por avistar, maravilhado, esse cinema e sua imponente tela de exibição, à medida que trafegávamos pela avenida. Como sempre gostei de cinema, por mais de uma vez comentei com entusiasmo que achava muito diferente um cinema ao ar livre e pedia aos meus pais para que fôssemos um dia qualquer assistir um filme lá.
Meus pais diziam: "quem sabe, uma hora dessas". Mas como esse cinema era frequentado majoritariamente por casais e namorados é de se esperar que não tivesse entre os filmes exibidos um "Herbie, se meu fusca falasse", mas películas com personagens apaixonados vivendo suas histórias de amor em Mônaco ou numa praia em Maiorca; seja como for, meus pais ficariam assaz preocupados com o que eu poderia ver dentro dos carros estacionados ao redor, para além do filme na tela. Zelosos que eram, não desejariam que o filho com seus cinco, seis anos, presenciasse algo que pudesse gerar uma torrente de perguntas indiscretas. Naqueles tempos, temas adultos não eram abordados por crianças. Insistências eram devidamente tratadas com um dedo em riste na boca e, caso este valioso recurso falhasse, um tabefe encerrava de vez o assunto. Politicamente incorreto? Pára com isso! Altamente educativo, isso é que era! Seja como for, é bem possível que a entrada de menores no Chaparral fosse proibida, ainda que não o possa confirmar...
Fato é que os anos foram passando, as visitas aos meus tios tornaram-se cada vez mais raras, e os avistamentos desse cinema menos frequentes. Lembro-me de uma vez que, após uma dessas visitas tardias, ansioso por poder olhar uma vez mais aquelas imagens gigantes, me deparei com uma tela apagada, quase invisível à noite no meio de um pátio enorme. Impossível para mim hoje dizer se não havia sessão porque não era dia de exibição ou porque não tinha público suficiente para tal. O que posso afirmar é que, em meados de 1986, o cine Chaparral acabou fechando suas portas, e com elas um capítulo da história das pessoas que o frequentaram e seus pequenos hábitos.