sábado, 29 de agosto de 2009

Giz de cera


Porque algumas pessoas gostam de sorvete e outras de sanduíche? Porque alguns conseguem ter plantas exuberantes em seu jardim e outros sequer fazem o mato crescer nos vasos? Teríamos algo a dizer daqueles indivíduos que, mesmo na mais tenra idade, são capazes de desenhar traços precisos sobre uma folha de papel para representar aquilo que visualizam enquanto outros jamais conseguirão fazer uma letra "O" redonda, por mais que mordam suas línguas nessa inglória tarefa?
Se é querer demais dizer quem somos em essência, de onde vem nossos gostos e preferências bem como nossas antipatias e relutâncias, por outro lado resumir nós mesmos a esta máquina orgânica, a este artefato biológico altamente desenvolvido que chamamos de ser humano é querer de menos.
Fato é que desde muito pequeno sempre fui questionador, e gostava de explorar possibilidades novas em brincadeiras pueris, em geral sozinho, sem abordar adultos; afinal, aquilo eram assuntos capitais meus. Por isso, lá pelas tantas, estou diante dos meus gizes de cera e me pergunto:
- Será que sou tão rápido quanto penso ser?
O ser tão rápido neste caso possuía condições de contorno bastante exigentes para o experimento que começava a se desenhar em minha mente: sentado no sofá da sala eu deveria atirar um giz de cera para o alto e para trás, levantar-me do sofá imediatamente após o arremesso, dar-lhe a volta e alcançar o giz antes que atingisse o chão.
Definidas as regras, lá me encontro sentado no sofá com o giz de cera na mão. O experimento começa: atiro o giz para o alto mas, antes mesmo de me levantar, ouço um póf atrás de mim. Vou até a origem do barulho e lá está o meu giz, estatelado, partido em três pedaços no chão.
Não deu certo. Refaço meus cálculos: preciso que o giz suba mais alto, para dar tempo de sair do sofá. Então pego meu segundo giz e o arremesso para cima com mais força que o primeiro. Com a força aplicada, o infeliz se estatela ainda no teto, e um dos pedaços atinge minha cabeça.
Vendo os resultados obtidos até aquele momento com meu experimento, chego à conclusão de que a coisa não vai bem. Foram dois preciosos gizes perdidos e estes não dão em árvores. Mas a ciência merece uma resposta e decido por um último teste. Pego meu terceiro e derradeiro giz de cera, mal me apóio no sofá para facilitar minha movimentação. Tudo pronto, resta-me arremessar o coitado em direção aos ares. Feito o arremesso, saio em disparada para trás do sofá mas... cadê o giz de cera? Nenhum barulho, nenhum movimento inesperado... então o vejo agarrado ferozmente à cortina de tule através de um fiapo do papel que envolve o seu corpo. Consolei-me:
- Este pelo menos não se quebrou.
O experimento havia chegado ao fim. Concluí que, ser rápido ou não era uma questão secundária. O importante era ter giz de cera em condições de uso para meus desenhos.

Coroas de reis

 Minha casa tinha um grande quintal cimentado, onde era possível jogar bola e andar de bicicleta com tranquilidade e sem aperto. Mas nos dias de chuva era dentro de casa que eu ficava, e nesses dias era preciso brincar de modo diferente: com carrinhos de plástico colorido, assistir aos meus desenhos animados favoritos na televisão preto-e-branco, ou quem sabe rabiscar e colorir folhas de papel com meus gizes de cera e canetas hidrográficas.
Mas naqueles dias estava chovendo muito e prolongadamente e eu, já entediado de brincar, resolvi olhar a chuva que caía no quintal pela janela da sala. E ao observar as gotas batendo no chão, notei que formavam uma silhueta que lembrava uma coroa de rei ou rainha. E pensei:
- Porque será que a chuva forma coroas de reis no chão?
E num esforço filosófico infantil para decifrar tal mistério, cheguei a esta conclusão:
- Com certeza, cada coroa que se forma no chão representa um rei ou rainha que existiu neste mundo!
A chuva caía forte, com intensidade, e milhões de gotas batiam no chão, formando a tal figura. Eu mal sabia contar até 5, que era a minha idade por aquela época, mas pude entender claramente que aquela infinidade de coroas eram muito mais que cinco. E voltei a me questionar:
- Puxa, mas será que existiram tantos reis e rainhas no mundo? É muita coroa!
Não tendo uma resposta plausível para essa intricada pergunta existencial, resolvi esquecer as coroas por um tempo e fui me dedicar a comer alguns ovinhos de amendoim na cozinha. Fato é que gosto até hoje de ver essas coroinhas se formando toda vez que a chuva cai.

O pinheiro


A casa da minha bisavó ficava na mesma quadra em que eu morava, do outro lado da rua, uns 30 metros acima. Era construída abaixo do nível da calçada e para chegar até ela abríamos um pequeno portão azul, de madeira, e descíamos alguns degraus da escada de cimento até dar num corredor no meio do terreno. Do lado direito, havia verduras plantadas: couve, cebolinha, manjericão e um pouco mais à frente a casinha do cachorro vira-lata preto-e-branco, cujo nome não me lembro mais. Do lado esquerdo ficava a casa e um pequeno jardim à frente, onde se destacavam as gestas, um arbusto comprido e fino de muitos galhos e quase sem folhas, com pequenas e perfumadas flores amarelas.

Da casa propriamente o que eu mais gostava era da sala. Na entrada, à esquerda, havia um grande sofá preto e do lado direito um móvel que parecia uma penteadeira, onde ficavam expostos alguns ferros de passar roupa a carvão. Sim, minha bisavó passou muita roupa com ferro a carvão. Nas paredes, muitas fotos emolduradas. Dentre estas, uma particularmente me chamava a atenção: nela aparecia um menino, que talvez não tivesse mais que um ano de idade. Vestia uma roupinha branca, que hoje lembraria mais uma camisola de dormir, com uma gola grande e calçava sapatinhos pretos envernizados. O menino estava sentado no chão e olhava fixamente para frente, em direção ao fotógrafo e atrás dele se via um pequeno arbusto, que aparentava um pinheirinho. Eu tinha então uns quatro anos e perguntei à minha bisavó quem era aquele menino. Ao que ela me respondeu:
- Esse menino era meu filho, mas ele não está mais aqui.
Minha bisavó perdera aquele filho ainda bem pequeno e pelo que me consta a foto havia sido tirada pouco  tempo antes dele falecer. E perguntei a ela:
- E onde ele está agora?
E ela, talvez não sabendo como abordar um assunto tão delicado a uma criança, me veio com esta:
- Está vendo aquele pinheirinho atrás dele?
Eu respondi que sim. Ela continuou:
- Então, o pinheirinho cresceu muito rápido, os galhos pegaram ele como se fossem uma mão e o levaram para o céu.
Eu fiquei espantado com aquilo. Perguntei muito admirado:
- O pinheirinho levou ele pro céu? E a senhora não pegou ele antes do pinheirinho crescer?
Ela respondeu:
- Não deu tempo de pegá-lo meu filho. Mas deixa isso pra lá, vai brincar.

Bom, dá pra imaginar o impacto que tal revelação causou a mim com aquela idade. Passou-se o tempo, umas semanas talvez, e um belo dia estou na casa da minha avó, que também morava na mesma quadra que eu, e ela estava cuidando de seu jardim. E o que havia bem no meio do jardim de minha avó? Sim, um belo e grande pinheiro. Como o jardim era pequeno, a roupa da minha avó roçava no pinheiro. Não preciso dizer o pânico que aquilo me causou. Imediatamente eu avisei minha avó:
-Vó, não encosta no pinheiro senão a senhora vai pro céu!
Minha avó, que não deve ter entendido o que eu havia dito, talvez entretida que estava cuidando das plantas, respondeu:
- Tá, nego.
Mas a blusa de minha avó teimava em encostar no bendito pinheiro, e tornei a avisá-la:
- Vó, cuidado pra não encostar a roupa no pinheiro, senão a senhora vai pro céu!
Afinal, o que minha mãe me diria se o pior acontecesse? Algo do tipo:
- Tua avó estava encostando no pinheiro e você nem pra avisá-la? Olha o que aconteceu: ela foi pro céu!
 Não, não podia vacilar nesse momento. Porém, minha avó não estava endendendo nada daquilo e me perguntou:
- O pinheiro vai me levar pro céu, nego? Me conta essa história direito!
Então expliquei o relato tenebroso de minha bisavó e o porquê de minha preocupação. Minha avó, ao entender a situação, balançou a cabeça e apenas disse:
- Ai, a minha mãe... tá nego, o pinheiro não cresce rápido e não leva ninguém pro céu, entendeu? Pode encostar nele o quanto quiser que ele não leva ninguém pro céu. Tá vendo? Esquece isso e vai brincar.
Pois é, para um adulto é fácil lidar com essas coisas. Mas com uma criança não é bem assim: minha bisavó conta uma coisa, minha avó outra e eu é que tenho que enfrentar os pinheiros da vida... Fato é que, depois de um tempo, quando eu estava com cerca de seis anos e entendia um pouco melhor essas coisas, percebi que de fato as árvores não cresciam assim tão rápido nem nunca mais ouvi o comentário de alguém que tivesse ido para o céu por culpa de um pinheiro e pude, enfim, me tranquilizar e encarar os pinheiros como árvores bonitas como quaisquer outras, porém com uma ressalva: eles têm para mim uma história para contar.

sábado, 22 de agosto de 2009

Cadê o toucinho?

De volta aos contos antigos: este conto era minha mãe que me contava. Para isso, punha-me em seu colo; com uma mão pegava minha mão e a esticava com a palma virada para cima. Com sua outra mão, formava uma espécie de bico juntando o indicador e o polegar. E esse bico, formado pelos dois dedos, bicavam a palma da minha mão aberta, enquanto ela começava a historinha, dizendo:

- Cadê o toucinho que estava aqui?

E eu respondia:

- O gato comeu.

E assim, sucessivamente, íamos ela perguntando e eu respondendo:

- E cadê o gato?
- Fugiu pro mato.
- Cadê o mato?
- O fogo queimou.
- Cadê o fogo?
- A água apagou.
- Cadê a água?
- O boi bebeu.
- Cadê o boi?
- Está amassando o trigo.
- Cadê o trigo?
- A galinha espalhou.
- Cadê a galinha?
- Está botando o ovo.
- Cadê o ovo?
- O padre comeu.
- Cadê o padre?
- Está rezando a missa.
- Cadê a missa?
- Está no altar.
- Cadê o altar?
- Está no seu lugar.
E minha mãe terminava dizendo:
- E o lugar? É por aqui, é por aqui, é por aqui, e com os dedos em forma de bico me fazia cócegas.

Essa historinha minha mãe aprendeu com meu avô, que nasceu para aqueles lados da Guarda, em Portugal, que deve ter aprendido esse pequeno diálogo com seus pais ou avós. Mais um para a coleção.

O menino e o gato

Por causa da foto dos gatos embriagados da postagem anterior, lembrei-me de uma história de minha infância que tem um gato entre seus personagens. O conto que conto abaixo pode ser pequeno ou longo, depende da paciência do contador e dos que lhe dão ouvidos. Meu pai me contava essa história, que por sua vez aprendeu com sua avó, lá para aqueles lados de Trás-os-Montes, em Portugal. E porque me agradava - e ainda me agrada - muito essa historinha, resolvi registrá-la:
Um menino andava pelo caminho até sua casa quando encontrou um gato. O gato era seu amigo e possuía um ninho de passarinhos. E o menino disse ao gato:
 - Ó seu gato, você poderia me dar um pássaro?
E o gato responde ao menino:
- Sim, mas para te dar um pássaro eu preciso de um pouco de leite!
O menino volta a caminhar e encontra mais à frente uma cabrita. E diz assim à cabrita:
- Ó dona cabrita, a senhora poderia me dar um pouco de leite, pro leite dar ao gato, pro gato me dar um pássaro?
E a cabrita responde:
- Sim, te dou o leite, mas para isso preciso de um pouco de capim!
Então o menino torna a caminhar e encontra um campo cheio de capim. E diz assim ao campo:
- Ó seu campo, o senhor podia me dar um pouco de capim, pro capim dar pra cabrita, pra cabrita dar o leite, pro leite dar ao gato, pro gato me dar o pássaro?
E o campo responde:
- Sim, te dou o capim, mas para isso preciso de um pouco de água!
E o menino torna a caminhar até encontrar-se com o riacho. E diz ao riacho:
- Ó seu riacho, o senhor poderia me dar um pouco de água, pra água dar ao campo, pro campo dar o capim, pro capim dar à cabrita, pra cabrita dar o leite, pro leite dar ao gato, pro gato me dar o pássaro?
E o riacho diz ao menino:
- Sim, posso dar-te a água, mas para isso preciso de um pouco de chuva!
Então o menino torna a andar pelo caminho e se depara com uma nuvem no céu. E diz à nuvem:
- Ó dona nuvem, a senhora poderia me dar um pouco de chuva, pra chuva dar ao riacho, pro riacho dar a água, pra água dar ao campo, pro campo dar o capim, pro capim dar à cabrita, pra cabrita dar o leite, pro leite dar ao gato, pro gato me dar um pássaro?
Bom, e assim vai o menino indefinidamente pelo caminho pedindo a cada um alguma coisa, e tendo que dar algo em troca por aquilo que pede. O que mais me fascinava era toda a volta da história dita pelo menino para justificar o pássaro que tanto queria. Hoje não acredito que hajam muitas pessoas, adultos e crianças, que tenham paciência para contar e ouvir um conto contado nestes termos. Mesmo assim, espero que agrade.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Então é isso



  • Esquete: no teatro de revista e em programas de rádio e televisão, cena rápida, geralmente humorística.
  • Escalafobético: que se comporta de forma excêntrica, extravagante; sem jeito ou elegância; desengonçado.
Um humor excêntrico e desajeitado, para nos fazer pensar em rir, para nos fazer rir sem pensar, para nos fazer pensar sem rir. Falei humor? Tá bem, vá lá que ele é essencial a uma vida saudável, mas o título veio meio sem querer, aleatoriamente, e não é esse o único propósito disto aqui.

Achei curioso o nome (melhor seria dizer esdrúxulo) e o endereço http:// etc., etc., etc. estava livre, então me apossei dele. Penso em colocar uns quadrinhos de minha autoria, umas receitas de doces de autoria da patroa, uns textos que porventura soem úteis ou apropriados ao momento ou ao estado de espírito, postar umas fotos que às vezes tiro com a minha máquina fotográfica digital mequetrefe  (como essa com a dupla de gatos curtindo uma boa ressaca) e em breve, assim espero, mostrar alguns desenhos usando a técnica do hiper-realismo.

E para o que mais vier à mente: sejam bem-vindos.