sábado, 5 de setembro de 2009

Jogos de Tabuleiro - I


Jogos de computador têm se mostrado extremamente versáteis, seja nas estratégias adotadas, seja nos gráficos que compõem as cenas, seja na inteligência artificial que atua como nosso oponente. A Internet favorece também a disseminação de jogos com múltiplos jogadores em cenários beligerantes incríveis, permitindo uma miríade de possibilidades de ação em partidas intermináveis nunca antes vistas em jogos de qualquer categoria.
A infinidade de títulos disponíveis e a disseminação dos computadores em nossos lares vêm transformando nossos bons e saudosos jogos de tabuleiro em brinquedos fora de moda, inclusive porque é possível encontrar jogos de tabuleiro digitais, como é o caso clássico do jogo de xadrez.
Entretanto, o preço que os jogos de computador nos impuseram foi o isolamento social.  Sim, podemos nos encontrar em uma partida atuando contra ou como aliados a milhares de outros jogadores, mas estamos sozinhos, num quarto ou numa sala, e aquela multidão do outro lado do computador são anônimos sem rosto e sem nenhum vínculo emocional, meras inteligências não artificiais aplicando suas estratégias na ânsia de conseguir mais pontos ou alcançar novos níveis de batalha. Infelizmente, não há clima pra enviar uma mensagem instantânea a qualquer mero desconhecido durante um ataque virtual a um castelo e perguntar:
- E aí, será que passa o projeto do pré-sal?
A vantagem insuperável de um jogo de tabuleiro real é sua capacidade intrínseca de reunir ao menos duas pessoas, amigas o suficiente para que se coloquem frente a frente numa partida enquanto compartilham de momentos agradáveis, como conversar sobre qualquer amenidade que venha à telha, enquanto bebericam alguma coisa e aguardam os espetinhos de carne e de frango assando na churrasqueira. Além disso, se levarmos um tabuleiro para um parque hoje em dia, o máximo que pode nos acontecer é ganhar uma platéia atônita e curiosa para saber o que estamos fazendo ali sentados, compenetrados, olhando para uma placa cheia  riscos e de pequenas peças espalhadas sobre ela; porém, se tentarmos levar nosso notebook a esse mesmo parque para jogar qualquer coisa nele é porque gostamos de correr muitos riscos, regados a adrenalina...
Foi pensando nisso tudo que resolvi criar esta postagem que, espero, seja a primeira de uma série que virá, referente aos jogos de tabuleiro. Minha intenção principal é apresentar não os jogos mais conhecidos, como é o caso do xadrez ou do jogo de damas, porque existe gente muito mais gabaritada que eu para falar deles e também porque são jogos amplamente difundidos mesmo aqui no Brasil. Antes, pretendo apresentar os jogos extremamente antigos e de preferência pouco conhecidos do público em geral, cujas regras sejam deduzidas ou tenham sido recriadas sob hipóteses, baseadas em relatos antigos ou através de observações arqueológicas. Ressalto ainda que qualquer um desses jogos encontram-se em inúmeros sítios da Internet; meu objetivo neste caso é reunir, em língua portuguesa, tudo que me soe interessante e aderente ao propósito desta série de  postagens.
Assim sendo, o primeiro jogo que pretendo abordar é o "Jogo da onça e dos cachorros". Conhecido dos índios Bororos do Mato Grosso, e por eles chamado de adugo, é semelhante ao jogo do puma, este de origem inca. Escavações arqueológicas em ruínas pré-colombianas na região de Cuzco encontraram riscados idênticos aos utilizados pelos índios brasileiros. A imagem abaixo mostra como é o traçado do jogo e a disposição das peças, executada pelos Bororos:
 
 Abaixo reproduzo o traçado do jogo e a disposição das peças com mais detalhes:




No desenho acima, as peças azuis (14 no total) representam os cachorros e a peça vermelha a onça. As regras são bastante simples: o jogador que joga com a onça sempre começa o jogo. Tanto os cachorros quanto a onça podem se deslocar uma casa em qualquer direção ao longo das linhas, desde que a casa de destino se encontre vazia. Uma casa é a intersecção de duas ou mais linhas quaisquer do traçado.
A onça pode eliminar um cachorro pulando sobre ele para uma casa vazia, do mesmo modo que movimentamos as pedras no jogo de damas. Também como no jogo de damas, a onça pode eliminar mais de um cachorro num único lance, se a disposição das peças assim a permitir. Os cachorros não eliminam a onça, eles apenas devem tentar cercá-la, impedindo que consiga se movimentar em qualquer direção. Os cachorros ganham a partida se encurralarem a onça, impedindo seu movimento, seja pulando sobre um cachorro para uma casa vazia, seja fugindo para qualquer casa vazia adjacente à que se encontre. A onça por sua vez vence a partida se eliminar tantos cachorros que os restantes não sejam mais capazes de cercá-la.
A vantagem deste jogo é que podemos riscá-lo no chão à moda dos Bororos, na areia se estivermos na praia, ou desenhá-lo numa folha de papel. As peças podem ser tampinhas de garrafa ou pedrinhas. Agora não há como alegar que a falta de uma tomada ou de um computador nos impeçam de aproveitar o tempo com uma brincadeira agradável.

Um comentário:

  1. Eu também prefiro muito mais os jogos onde estou ao lado do jogador.
    Já joguei esse jogo com outro nome, e é um bom exercício pré-enxadrístico para os mais novos. Que bom que você lembrou dele, vou utilizá-lo com os menores.
    Saudações.

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