terça-feira, 9 de agosto de 2011

Moleques

Há um ditado que diz: "Cabeça vazia, oficina do diabo". Mas certamente há outra forma de dizer o mesmo com grande ampliação dos sentidos, com mais verve: "Cabeça de moleque, lar do diabo". Tínhamos, eu e meu primo, por volta de 10 anos e era religioso passarmos as férias de Julho na casa de nossos avós no interior, numa cidade muito conhecida por seu clima que, alardeia-se, está entre os melhores do mundo. E nessa época trabalhavam para os meus avós duas empregadas, meia-irmãs, que moravam na casa, instaladas num dos quartos da edícula ao fundo do terreno.
E trouxemos em nossa bagagem nessa ocasião, rescaldo das festas juninas, umas duas ou três caixinhas de biribas, também conhecidas como estalos de salão, aquelas bombinhas feitas de pólvora seca enroladas em papel de seda, parecendo malabares, apropriadas para crianças por serem praticamente inofensivas. E as empregadas eram caladas, meio tímidas, jeitinho interiorano típico. Não sei se para todos aqueles que já foram moleques fica evidente que biribas combinam muito bem com empregadas tímidas. Para nós, encaixavam-se como luvas.
Uma das meninas - a mais nova, beirando aí os seus 14 anos - teve uma conversa conosco num daqueles dias. E como o assunto girava em torno de pesadelos ela teve a infeliz idéia de nos contar o seu, que inclusive a assustava muito. O pesadelo girava em torno de um passeio que ela dava em um sítio quando, de repente, deparava-se com alguns pintinhos, que deram para cismar e iniciar um ataque raivoso contra ela. Seu nome era Lurdes. Rimos de nos esbaldar com aquele pesadelo terrivelmente cômico e, por conta disso, a apelidamos de Mirdes. De humilde, ela e o sonho, com o "r" bem carregado, à moda caipira; mas sem que ela soubesse, pois esse apelido era também o codinome para ações de guerra psicológica que começavam a se formar em nossas cabeças.
Para nós, aquele jeito reservado e silencioso das duas irmãs precisava ser extravasado adequadamente. E as biribas foram a nossa matéria-prima. Meus avós gostavam de ter tapetes e capachos em todas as portas que davam para o quintal ou áreas externas da casa. O que fizemos, meu primo e eu, foi analisar cuidadosamente quais e que partes dos capachos e dos tapetes eram mais pisados pelos pés das moças para, embaixo deles, esconder várias biribas. Não é preciso dizer que nos primeiros estalos as moças davam saltos e gritinhos histéricos hilários. Nos primeiros dias elas caíram diversas vezes nas armadilhas; depois foram ficando mais espertas. Para tornar a coisa mais divertida, tinha dia que não colocávamos nenhuma biriba em lugar nenhum, para tornar o tormento psicológico mais efetivo.
As empregadas foram queixar-se com meus avós, que nos deram uma boa ralhada. Mas após uns dois dias de sossego, quando elas começaram a acreditar que haviam se livrado das bombinhas e meus avós a se esquecer da bronca, recomeçamos a bagunça. Sei dizer que, depois de um tempo, as coitadas pulavam tudo quanto era tapete e capacho com medo de serem pegas de surpresa por uma biriba estourando abaixo de seus pés.
Naquelas férias, um parente nosso se casou numa cidade também no interior e fomos todos para o casório, ao qual se seguiu uma boa festa, com outros primos de idade próxima à nossa. Finda a festa e voltando para a casa de nossos avós, eis que a casa havia sido roubada e as duas empregadas encontradas trancafiadas no quartinho da edícula, apavoradas. Disseram que ouviram gente entrar, e que não fizeram barulho para não chamar a atenção. Uns dias depois as empregadas foram mandadas embora, pois nossos pais e avós desconfiaram que foram elas que deram a dica para os meliantes agirem, que foi subtrair basicamente eletro-eletrônicos. Será que foi a forma que encontraram para se vingar de nossas biribas?

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